Pesquisar este blog

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

MJ lança cartilha sobre combate a cartel na revenda de combustível

Brasília, 11/11/09 (MJ) – Uma cartilha organizada pela Secretaria de Direito Econômico (SDE), do Ministério da Justiça, vai ajudar a conscientizar a população sobre o combate a cartéis na revenda de combustíveis - setor mais investigado pelo órgão, com mais de 150 processos em andamento. A publicação foi lançada nesta quinta-feira (12) durante o 15º Seminário Internacional de Defesa da Concorrência, promovido pelo Instituto Brasileiro de Estudos da Concorrência (Ibrac) em Brasília.

A intenção, segundo a SDE, é orientar o público em geral sobre os efeitos lesivos do cartel, estimular a denúncia e alertar os empresários sobre os riscos de se cometer este tipo de crime. A combinação de preços causa prejuízos à concorrência e ao consumidor.

O trabalho da SDE na investigação sobre empresas do mercado de combustíveis já resultou em uma série de multas a cartéis formados por redes de postos em Lages (SC), Belo Horizonte, Goiânia, Recife e Florianópolis.

Em 2003, por exemplo, os sindicatos do comércio varejista de derivados de petróleo de Santa Catarina e de Minas Gerais foram condenados pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) em R$ 55 mil e R$ 243 mil, respectivamente.

Além da aplicação de multas, já houve condenação de executivos pelo crime. Em Santa Maria (RS), sete donos de postos foram condenados pelo Tribunal de Justiça do Estado em 2005 a dois anos e seis meses de prisão. Para o tribunal, os empresários ajustavam previamente os preços dos combustíveis na cidade. Também foram condenados donos de postos em Guaporé (RS) pelo mesmo motivo. As duas decisões são alvo de recurso em instâncias superiores.

Parceria com a PF

Desde 2007, quando a SDE estabeleceu parceria com a Polícia Federal para o combate a cartéis, foram deflagradas diversas operações que desarticularam quadrilhas que combinavam preços no mercado de combustíveis. Uma delas, a “Pacto 274”, aconteceu em João Pessoa, no mesmo ano. Vinte e seis mandados de busca e apreensão foram cumpridos e 16 prisões temporárias realizadas.

Como resultado, o preço médio do litro da gasolina na capital paraibana caiu de R$ 2,74 para R$ 2,37. Um ganho anual de R$ 32 milhões para os consumidores da cidade no ano de 2007, segundo a SDE. Também aconteceram operações semelhantes em Belo Horizonte e Cuiabá.

Clique aqui para acessar a cartilha

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Policiais da Argentina serão convidados a participar da Operação Veraneio

Policiais argentinos poderão participar da Operação Veraneio 2009/2010. Convite oficial será feito nesta quinta-feira (12) quando o secretário da Segurança Pública e Defesa do Cidadão, Ronaldo Benedet, recepcionará uma comitiva de policiais da Província de Missiones.

Também está agendado uma visita à sede da Delegacia Geral da Polícia Civil e ao Comando Geral da Polícia Militar. Às 15 horas a comitiva terá audiência com o vice-governador Leonel Pavan, em seu gabinete no Centro Administrativo.

A idéia é incrementar as parcerias e manter o bom relacionamento com as instituições policiais de Missiones. A visita é um reconhecimento ao trabalho integrado feito entre Santa Catarina e Missiones durante as operações Divisa Segura, organizada pela SSP e executada nas áreas de fronteira.

A experiência de convidar policiais argentinos para auxiliar na Operação Veraneio não é nova e já foi aplicada com sucesso em 1997, quando os policiais do país vizinho ficaram baseados no Litoral Norte e na Ilha de Santa Catarina, os dois pontos de maior concentração de turistas argentinos. A presença de policiais argentinos teria um caráter de contribuição no atendimento às ocorrências policiais que envolvam turistas daquele país.

A comitiva é liderada pelo ministro de governo da província de Missiones, Jorge Daniel Franco; o sub-Chefe da Polícia, comissário geral Victor Armando Ruchstman; o diretor geral de Segurança, Comissário Waldemar Flores, e o assessor Nito Bhon.

Fonte:
http://www.pm.sc.gov.br/website/rediranterior.php?act=1&id=6476

Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas

O Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas - OBID é um órgão da estrutura do Governo Federal, vinculado a SENAD, que tem como missão reunir, manter e analisar dados referentes a drogas lícitas e ilícitas, que permitam estabelecer e gerenciar uma rede de conhecimentos sobre o uso indevido de drogas, oferecendo informações confiáveis para subsidiar o intercâmbio com instituições regionais, nacionais e estrangeiras e organizações multinacionais similares. Todas as informações selecionadas são disponibilizadas no portal do OBID: www.obid.senad.gov.br. Outro meio de comunicação utilizado é o Boletim Informativo, de edição mensal. Para recebê-los, é necessário efetuar o cadastro pessoal que se encontra disponível no portal do OBID, preenchendo todos os campos solicitados.


www.obid.senad.gov.br

terça-feira, 10 de novembro de 2009

MJ oferece banco de dados sobre legislação penal no Brasil

A partir desta semana, policiais, advogados, estudantes, professores, formuladores de políticas públicas e demais operadores do Direito têm à disposição um banco de dados com toda a legislação penal em vigor no Brasil. O software, que recebeu o nome de Sispenas, está disponível na página do Ministério da Justiça (MJ): www.mj.gov.br/sispenas ou www.mj.gov.br/sal.

Além dos crimes, o banco de dados mostra as respectivas penas e as alternativas possíveis à prisão. A proposta é oferecer informações para tornar a relação entre os tipos penais e benefícios mais clara e acessível.

Didático, o sistema permite fazer pesquisa de diferentes formas: por ano de criação de leis, penas máximas e mínimas ou palavras-chave. Se o interessado digitar, por exemplo, a palavra “prostituição”, ele terá em sua tela todos os crimes relacionados, as penas e os benefícios previstos no Brasil. O Sispenas também possibilita a realização de simulações simples diante de propostas de alteração legislativa.

A ausência do quadro geral das penas aplicáveis no país dificultava o acesso dos operadores do Direito a uma descrição mais ampla do sistema jurídico-penal brasileiro para identificar seus gargalos e desconformidades. “Esse é um grande esforço do Ministério da Justiça a fim de que possamos conseguir racionalidade para o sistema penal. O Sispenas é uma ferramenta fundamental para atingirmos esse objetivo”, destaca o secretário de Assuntos Legislativos, Pedro Abramovay.

O Sispenas é mais um resultado do Projeto Pensando o Direito, que promove a parceria entre o Executivo e a academia por meio do financiamento de projetos de pesquisa que proporcionem ganho qualitativo às atividades da Secretaria de Assuntos Legislativos, do Ministério da Justiça, em temas considerados prioritários. Vencedora do edital na área de “penas alternativas”, a Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas foi a responsável pelo desenvolvimento do software.

Para acessar o SisPenas:
http://sispenas.mj.gov.br/

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Hobbes: a violência generalizada no estado natural

Enquanto Maquiavel via a ameaça da violência como uma ferramenta política do soberano, Thomas Hobbes (1588-1676) sustentava que a associação humana era resultante do temor individual à violência, sendo esta uma característica do estado natural.

Para Hobbes, o direito ilimitado de cada indivíduo a saciar os seus desejos gera a “guerra de todos contra todos”, a violência generalizada, sendo esta a “condição natural da humanidade”.

O medo da morte violenta, que Hobbes considerava o pior dos males, faz com que os indivíduos suspendam as hostilidades individuais e estabeleçam um pacto social. Então, a unidade do corpo político ocorre pela renúncia dos indivíduos aos seus direitos ilimitados, tendo como objetivo a estabilização das expectativas e paz social que será arbitrada por um soberano – que pode ser um indivíduo ou uma assembleia - com poderes absolutos.

Maquiavel: a violência como constituinte da vida política

O período medieval é caracterizado pelo domínio ideológico da Igreja. Com o Renascimento a universalidade da Igreja e suas verdades são contestadas. É neste terreno fértil para novas idéias que Nicolau Maquiavel (1469-1527), autor de “O Príncipe”, analisou a política não em relação a “como ela deve ser”, mas a “como de fato ela é”, a partir da descrição do papel do soberano e as formas de manutenção do governo.

Maquiavel ao discorrer sobre política mostra - a partir da análise da prática social e não por um argumento moral - que ações violentas, cruéis e ruins são constituintes da vida política. A preocupação do autor é com a estabilidade do governo (independente da forma de governo) e, para tanto, o soberano deve utilizar os meios necessários para consegui-la, ou seja, a conjugação de astúcia (formas não-violentas) e força (formas violentas).

A violência é compreendida em um duplo sentido, negativo quando destrói e positivo quando é o meio pelo qual se restaura a ordem. Para o autor, a crueldade, quando bem praticada, garante a estabilidade do estado, daí a sua célebre afirmação “os fins justificam os meios.”

Violência

O primeiro desafio para a realização de um estudo sobre violência é definir seu conteúdo. Não existe uma definição única nem percepção consensual sobre o que é violência, não sendo a “violência” um conceito sociológico.

Neste mesmo sentido, os discursos sobre a violência variam. A análise dos cientistas sociais Leandro Piquet e Luiz Eduardo Soares em dar respostas aos questionários aplicados, em 1984, a transeuntes na região metropolitana do Rio de Janeiro mostrou que o termo violência pode ser compreendido como crime ou ainda como pecado, miséria ou corrupção.

Alba Zaluar, ao sistematizar, em 1999, a produção das ciências sociais sobre violência afirmou:

“Violência vem do latim violentia, que remete a vis (força, vigor, emprego de força física ou os recursos do corpo em exercer a sua força vital). Esta força torna-se violência quando ultrapassa um limite ou perturba acordos tácitos e regras que ordenam relações, adquirindo carga negativa ou maléfica. É, portanto, a percepção do limite e da perturbação (e do sofrimento que provoca) que vai caracterizar um ato como violento, percepção esta que varia cultural e historicamente. As sensibilidades mais ou menos aguçadas para o excesso no uso da força corporal ou de um instrumento de força, o conhecimento maior ou menor dos seus efeitos maléficos, seja em termos de sofrimento pessoal ou dos prejuízos à coletividade, dão o sentido e o foco para a ação violenta. Além de polifônica no significado, ela também é múltipla nas suas manifestações. Do mesmo modo, o mal a ela associado, que delimita o que há de ser combatido, tampouco tem definição unívoca e clara. Não é possível, portanto, de antemão, definir substancialmente a violência como positiva e boa, ou como destrutiva e má” (p.8)

A violência pode ser pensada como um fenômeno a ser analisado ou uma categoria analítica que serve para interpretar determinada realidade social. Também pode ser vista como negativa, como oposto à pacificação, ou positiva, por expressar um descontentamento diante da realidade, podendo iniciar um processo de mudança social.
As manifestações da “violência” aparecem como uma questão a ser problematizada ao longo da história do pensamento social ocidental. Nesta aula, iremos debater como diferentes autores se apropriaram deste termo e compreenderam as suas manifestações.

A mobilidade criminal e as Cartas de Controle

Florianópolis, 03-06-2009

Tenente-coronel Eron Barbi (*)



O crime como fenômeno sociológico é comunitário, assume feições diferenciadas apresentando idiossincrasias dentro do ambiente em que está inserido, pode-se comprovar facilmente tais observações analisando a distribuição espacial temporal dos delitos em nossas comunidades, em nível de bairro, por exemplo.

Porém o crescimento urbano acelerado e mal planejado, não leva em consideração os aspectos da arquitetura em relação à prevenção criminal, há uma falta de uma visão proativa fundamentada na análise da causa como forma de anular o efeito. Isto provoca um descontrole na criminalidade. Tudo isso sem mencionar a correta distribuição do nosso aparato policial, algumas vezes feito de maneira desordenada, sem visão clara de objetivos onde realmente queremos chegar. Ou seja, dentro de parametros técnicos, adequados fundamentados na informação, inteligência convergindo para o uso da telematica como ferramenta de apoio.

A sociedade onde estamos imersos é uma máquina defeituosa que está constamente produzindo – ou melhor dizendo – gerando peças fora do padrão que chamaremos de crime. Estas peças rompem as faixas de tolerância por falta de mecanismos de controle os quais efetivamente cumpram seus objetivos. A criminalidade que hoje convive conosco é um produto que precisa ser controlado, mensurado, pois é um processo contínuo que sofre variação.

Nenhuma pessoa é igual à outra, mesmo que duas pessoas se pareçam muito do ponto de vista físico, logo perceberemos suas diferenças, inclusive e principalmente psicológicas.

É necessário, imperativo e urgente aprender a identificar as variabilidades, buscar suas causas, e tomar as devidas ações corretivas. Temos que começar a entender que a “variação” nos diz sempre algo a respeito de um processo. Quando a variabilidade passa a ser reduzida os processos são melhorados, todavia esta variação deve tender a alcançar um patamar de estabilidade, que infelizmente ainda não temos, pois não medimos os processos como deveríamos. Nossos indicadores não são indicadores de processo que mensuram processos de melhoria continua.

Quando um sinal de instabilidade se manifesta em um sistema, é um forte indicador que algo errado está ocorrendo neste sistema. Existe alguma anomalia presente, não raras vezes esta anomalia está arraigada nos métodos, crenças e comportamentos das pessoas que fazem parte do processo. Falta qualidade na resposta final ao usuário do sistema.

O crime é um vírus mutante, peça defeituosa de uma máquina doente, por isso temos que assumir que esta peça precisa ter sua faixa de tolerância diminuída e, em segundo plano, compreender mais profundamente as causas dos defeitos. Muitas vezes acreditamos que esses defeitos são inevitáveis, mas se assimilarmos o crime como um defeito da máquina ‘sociedade’ podemos entender que os defeitos podem ser reduzidos. Kume (1993) afirma: “os defeitos são causados por variações, se estas forem diminuídas, elas certamente diminuirão .”

Com base no trabalho na Bell laboratories no começo dos anos 1920, o Dr Shewhart ( 1992) analisou a variabilidade como sendo fruto de duas possibilidades:

 Aquela que ocorre dentro dos limites definidos pelo acaso, aleatóriamente e;

 Aquela que está fora destes limites.

Estando fora destes limites, ele acreditava que as causas poderiam ser identificadas. Deming (1990)

Para medir estas variações são usadas as Cartas de Controle, que separam as causas comuns das causas especiais. A partir de uma média do processo são estabelecidos dois limites: um superior, e um inferior. Eles podem ser definidos pelo operador do sistema de segurança pública por 1, 2 ou 3DP (Desvio Padrão). Em relação à média, quanto menor for o desvio padrão, menor a faixa de variação do processo e, por conseqüência, terá um maior controle sobre a evolução temporal das ocorrências criminais.

Os valores acima do limite superior devem ser investigados pelo analista criminal. Questões como hora, local, tempo, arquitetura local, tipo do policiamento, características (físicas e psicológicas) dos agentes, modus operandis, dentre outros, devem ser avaliados e assinalados.

O objetivo das Cartas de Controle é manter os crimes dentro de uma faixa de tolerância estável, controlada. Por exemplo elas podem ser usadas em nível de bairro ou município. Obviamente teremos faixas distintas para cada região analisada, em função do crime não estar numa perspectiva primária, não adquirir o perfil da ogiva de Galton do ponto de vista estatístico.

Deve ser buscada uma continua melhoria do processo no âmbito do sistema criminal onde os delitos fiquem estáveis, com uma baixa entropia. Estamos imersos em um mundo variável, ver a criminalidade de forma geral como um processo muda a ótica de “fazer polícia”. Abandonamos de forma pragmática a idéia de acabar com a criminalidade e abraçamos a via do controle da criminalidade através do uso de ferramentas e técnicas modernas no nível do gerenciamento estratégico , tático e administrativo.

Contudo se deixarmos que a entropia do sistema aumente, fugindo completamente do controle das agencias de defesa social, estaremos inexoravelmente caminhando a passos largos para o caos.

* Tenente-coronel Eron Barbi, analista criminal, é subchefe da Agência Central de Inteligência da Polícia Militar de Santa Catarina.

Disponível em:
http://www.pm.sc.gov.br/website/redir.php?act=1&id=5387

domingo, 8 de novembro de 2009

“Tolerância zero” e Estado mínimo geram inflação carcerária

Por Carolina Justo

Desde a década de 80, Estados Unidos e Brasil passam por um processo de crescimento astronômico da população carcerária, que pode ser atribuído ao modelo baseado na “tolerância zero” às mínimas infrações. Pobres e negros são maioria nestas estatísticas. Especialistas em sociologia penal afirmam que o aumento da população presa decorre de um crescente apelo por maior rigor punitivo que tomou todo o mundo, conforme os Estados de bem-estar social foram sucumbindo ao neoliberalismo e deixando de oferecer ampla segurança aos cidadãos. Ao mesmo tempo em que cresceu a insegurança social, principalmente para os setores excluídos, também cresceu a sensação de medo e risco da violência na população em geral.

A resposta freqüente do poder público – na figura de legisladores, juizes, policiais – tem sido ampliar a extensão e sofrimento da “pena privativa de liberdade”, além de aprisionar mais gente. A capacidade de contenção do crime destas medidas não se mostra, entretanto, maior do que daquelas mais amenas. No Brasil, por exemplo, parece uma triste ambigüidade que, quanto mais se prende, mais se cria criminosos, desde que as penitenciárias se transformaram em “escolas do crime”. Pesquisadores defendem que penas alternativas são mais eficazes. Prevenir o crime é, contudo, o que mais compensa em termos de segurança pública.

Por que punir?

Não é de se estranhar que uma vítima defenda a punição de um criminoso com rigidez excessiva. Mas o desejo de vingança que qualquer ser humano é passível de ter não é, entretanto, o princípio fundamental que guia o direito penal. Parte do Estado, que detém o monopólio do uso da força, o sistema jurídico, que define o que é crime e como puní-lo, atende a uma lógica de funcionamento coletiva, diferente da individual. “Os argumentos em torno da necessidade de punir ao longo da história são muitos”, explica Nalayne Pinto, pesquisadora de sociologia criminal da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “De modo geral, temos: as teorias retribucionistas – a pena deve retribuir o mal causado –; as teorias preventivas – a pena serve para prevenir futuros crimes e intimidar os criminosos –; e as teorias de regeneração, que defendem a ressocialização do preso para transformá-lo em não criminoso”.

Mariana Souza, advogada e pesquisadora do Grupo de Estudos sobre Controle Penal da Universidade de Brasília (UnB), lembra da chamada “função inoculizadora” das prisões: elas servem para isolar os criminosos e afastá-los dos “cidadãos de bem”. Nalayne Pinto, também partidária da “criminologia crítica”, condena essa função das cadeias de isolar, esconder e re-castigar os já excluídos, “selecionando e separando os ‘indesejáveis', ‘removendo o lixo humano que não se deseja ver', para lembrar as palavras de Zygmunt Bauman”. Esta é, no entanto, a função a que as penitenciárias mais têm servido: tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, negros e pobres são a grande maioria dos prisioneiros. “Na minha visão, e na visão de um crescente número de pessoas, parece claro que a hipótese de que as prisões são instituições para controle das pessoas de cor é de longe mais viável do que a noção de que as prisões são um esforço para prevenir o crime”, afirma Tiyo Salah-El, condenado a trinta anos de reclusão por assassinato nos Estados Unidos. Na cadeia, graduou-se em história da América africana e fez mestrado em ciência política. Num manifesto em favor da abolição das prisões, conclui: “prisões e outros sistemas de punição são para controle social, e não para controle do crime”. Estudo recente divulgado pelo Pew Center on the States revela que, nos EUA, um em cada 15 adultos negros está atrás das grades, e um em cada 36 adultos hispânicos. Quanto às mulheres, uma em cada cem negras com idade entre 35 e 39 anos está presa, enquanto entre as brancas há uma presa para cada 355 nesta faixa etária.

Nalayne Pinto chama a atenção ainda para o caráter social e não objetivo do conceito de crime. A definição dos desvios de comportamento, que são considerados crimes, varia de tempos em tempos e sofre influências culturais. “O que significa que há também divergência no conceito de crime, pois, afinal, o crime não tem existência própria”, afirma a pesquisadora. Segundo ela, são as classes dominantes, as elites e formadores de opinião, que definem o que é crime, selecionam e hierarquizam os crimes, bem como comportamentos a punir e o rigor da punição. Por isso, “a seletividade opera direcionada para os crimes das classes populares e para os comportamentos de grupos estigmatizados”, completa. Exemplos dessa seletividade são os crimes econômicos, contra o bem ou patrimônio público, como a corrupção e o desvio de dinheiro público, os chamados crimes “do colarinho branco”, que têm uma punição muito menos severa do que os crimes violentos, mesmo que prejudiquem e possam até levar à morte muitas pessoas, ainda que indiretamente.

Punindo mais

“O sistema prisional americano passou, nas últimas décadas, por uma inflação carcerária”, diz Nalayne Pinto. Dados de Wacquant trazidos por ela indicam que, de 1981 a 2007, a população carcerária aumentou 628% nos EUA, passando de 369 mil presos para cerca de 2,3 milhões. Fernando Salla, pesquisador do Núcleo de Estudos de Violência (NEV) da Universidade de São Paulo (USP), acrescenta outros dados divulgados pelo jornal The New York Times, no final de abril deste ano, que dão a dimensão astronômica desse número. Segundo ele, apesar de os Estados Unidos representarem apenas 5% da população mundial, esses 2,3 milhões de presos correspondem a um quarto da população encarcerada mundial. Há, nos EUA, uma média de 700 presos para cada 100 mil habitantes ou, de outra forma, um preso para cada cem indivíduos adultos. “Estes números dão uma idéia do novo padrão de percepção do crime que se dissemina em todo o mundo a partir dos anos 1970, caracterizado por prisões mais severas e penas mais duradouras, e que encontra nos EUA o seu ponto de apoio mais forte”, comenta Salla.

A inflação carcerária nos EUA seria resultado da criação e alteração de leis e instituições da justiça criminal, da recolocação da pena de morte no debate público, do aumento dos contingentes policiais e da adoção de programas de policiamento urbano conhecidos como “Tolerância zero”, tal como o da cidade de Nova Iorque. Seguindo esse modelo, passou-se a impor um controle rígido sobre as ilegalidades populares, principalmente para controle de drogas, cujos crimes não são os mais severos. Foram adotados mecanismos sofisticados de imposição das punições legais (como pulseiras eletrônicas), restrições à liberdade de locomoção e privatização dos serviços de segurança. Salla adverte para o perigo de transferir para uma empresa privada uma função que é eminentemente do poder público. Quando o crime se torna um negócio e em torno dele se cria uma indústria, “qual o interesse em reduzir o crime, se há vários interesses privados que dele se beneficiam?”, pergunta o pesquisador.

No Brasil, a situação não é muito diferente. Segundo Nalayne Pinto, em 1990 havia 90 mil presos no país, número que saltou para cerca de 442,5 mil em 2007, representando um aumento de 468% no período. “Em ambos os casos, assistimos, nos últimos anos, a um recrudescimento penal que encarcerou como nunca antes na história recente do Ocidente”, comenta. A diferença é que os EUA investiram mais no orçamento para o sistema prisional, com aumento do número de penitenciárias (inclusive com a privatização das estaduais, que geram lucros para seus investidores). Já no Brasil, exceto nos últimos cinco anos, quando foram criadas prisões federais, o contingente aumentado de presos foi alocado nas já lotadas penitenciárias, sob condições que se tornaram ainda mais precárias, “gerando sérias violações aos direitos humanos, como doenças, violações sexuais, mortes e torturas, e resultando em rebeliões constantemente”, conclui Nalayne. Aqui, a pena privativa de liberdade, prevista em lei, acaba sendo reforçada pelo sofrimento causado pelas péssimas condições de vida a que são submetidos os presos nas cadeias superlotadas. Apesar disso, as demandas pelo respeito aos direitos humanos têm encontrado algum eco. Agentes penitenciários de Presidente Venceslau, no estado de São Paulo, por exemplo, mostram-se sensíveis a eles em seu cotidiano de trabalho. “Nós estamos aqui para servir o cidadão, o que implica numa maneira diferenciada de atendimento, de se direcionar às pessoas”, comenta uma agente.

Por outro lado, tanto aqui como nos EUA se intensificaram as ações de “aprisionamento dos pequenos traficantes de rua, o ´avião` ou o ´estica` na gíria brasileira”, acrescenta a pesquisadora. O major da Polícia Militar do Rio Grande do Sul, André Woloszyn, especialista em terrorismo pelo Colégio Interamericano de Defesa (EUA), concorda com a adoção de tais medidas. Segundo ele, em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo (14/04/2008), “o programa Tolerância zero na cidade de Nova Iorque conseguiu reduzir em 46% a prática de delitos baseado no princípio do rigorismo penal e na constatação de que delitos de menor gravidade, se não duramente combatidos, acabam se transformando em crimes de natureza grave”. Já os outros três pesquisadores entrevistados discordam dessa análise sobre a eficácia do rigor punitivo. Eles destacam que “não é a quantidade ou o rigor da pena que geram efeito de coibição ao crime, mas a certeza da punição”. Segundo Souza, “estudo do Instituto Latino-americano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente (Ilanud), divulgado em 2006, revelou que o endurecimento da legislação penal não inibe a prática de crimes”.

Existem outras medidas que indicam o endurecimento do rigor penal no Brasil durante os anos 90. As principais delas foram a aprovação da lei do crime organizado, a nova lei de drogas, a lei que cria o regime disciplinar diferenciado e a lei de crimes hediondos, que restringe garantias constitucionais aos acusados e condenados por tais crimes, como o direito à liberdade provisória e o direito à progressão de regime (do fechado para o semi-aberto e deste para o aberto, a fim de atender ao princípio da recuperação e ressocialização dos presos). Um levantamento das leis aprovadas em 2007 e dos projetos de lei em discussão no Congresso, referentes à política prisional, realizado por Souza, revelou “mudanças na legislação penal, processual penal e de execução penal, no sentido de aumentar o rol das condutas criminalizáveis, prever punições mais severas do que as prescritas anteriormente, reduzir garantias antes consagradas aos acusados de práticas criminosas, restringir direitos dos já condenados, prevendo-se um sistema cada vez mais rígido de execução da pena e ampliando ainda mais o poder de perseguir e de punir do Estado”.

Outro estudo, realizado por Alessandra Teixeira e Eliana Bordini para a Fundação Seade, revela que é muito baixo o percentual de presos que obtêm os benefícios da liberdade condicional e da progressão de regime previstos pela Lei de Execução Penal (LEP), de 1984, considerada uma lei liberal e garantista. Na vara das execuções penais da capital paulista, em 2002, apenas 54% dos presos pediram a progressão de regime e, destes, apenas 22,1% a obtiveram, sendo que 72,5% destes presos já haviam cumprido mais de um terço da pena, um lapso de tempo muito maior que o previsto na lei para concessão desse direito, que é de um sexto da pena. Embora o senso comum proclame que o sistema de execução penal é benevolente e liberta os presos precocemente, as pesquisadoras afirmam que, ao contrário, “o sistema de justiça criminal, notadamente enquanto executor da pena, opera na qualidade de aplicador de um plus punitivo, ao relativizar ao máximo os direitos previstos em lei para os condenados, adotando uma postura altamente repressiva, revelada pelos ínfimos percentuais de benefícios concedidos”.

Por que punir mais?

Para Fernando Salla, a disseminação do discurso da “tolerância zero” e da “lei e ordem” está relacionada à ascensão do conservadorismo nos EUA, à globalização, ao neoliberalismo e à crise do Estado de Bem-Estar Social. Enquanto nos anos 1950-70 as políticas punitivas eram voltadas à reintegração do criminoso à sociedade, com base na prevalência da visão de que a sociedade devia assumir a responsabilidade sobre os crimes, a partir dos anos 70, conforme o Estado deixou de investir nas políticas sociais, a sociedade também deixou de se responsabilizar pelos crimes, e os criminosos passaram a ser considerados culpados individualmente. Teríamos passado de um Estado de Bem-Estar para um Estado penal ou policial, em que o crime sai da agenda da solidariedade e passa para a da ordem. Além disso, o aumento dos crimes violentos, a corrupção endêmica, a impunidade e a difusão de uma imagem crescente de insegurança e violência pela mídia, bem como o decorrente acúmulo da sensação de medo também aparecem como fatores de estímulo aos apelos por maior rigor punitivo.

Penas alternativas, entretanto, são vistas pelos pesquisadores como mais eficazes no combate ao crime. “Todos os lugares do mundo que usam outros mecanismos punitivos, como restrição de direitos e trabalho comunitário, acabam por controlar as pressões por aumento das prisões”, analisa Salla. “A França, por exemplo, em dez anos teve um crescimento de apenas 10% da população encarcerada (de 50 mil para 54 mil). No Brasil, o encarceramento está crescendo a essas mesmas taxas ao ano”, contrasta. As penas alternativas diminuem também o índice de reincidência.

Para Nalayne Pinto, “se as políticas de prevenção ao crime não forem prioridade dos estados e até do governo federal, não teremos redução da criminalidade. As políticas repressivas já se mostraram ineficazes há muito tempo. É preciso investir maciçamente nas formas preventivas: no policiamento comunitário, na formação e capacitação policial, na investigação policial e nas perícias, assim como na inserção dos jovens em projetos sociais (os mais vulneráveis à vida no crime hoje)”, finaliza.

http://www.comciencia.br/comciencia/?section=8&edicao=35&id=411